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Entrevista com especialista: Transtornos alimentares e as novas técnicas de tratamento

A obesidade é uma epidemia e, indiscutivelmente, um fator de risco para diversas morbidades. Porém, por aversão a esse crescimento, a sociedade tem desenvolvido também uma obsessão crescente pela magreza, num estereótipo muito difícil de ser alcançado, que pode incentivar práticas não saudáveis para controle do peso e perda de parte do ritual que envolve a comida e garante os valores culturais e simbólicos e o prazer da alimentação, levando a uma despersonalização do ato de comer.

Segundo um relatório do Programa de Transtornos Alimentares (Ambulim) da Faculdade de Medicina da USP, no Brasil, de 0,5% a 1% da população sofre de anorexia e, de 1% a 2%, de bulimia. A compulsão alimentar, chamada atualmente de Transtorno da Compulsão Alimentar (TCA), atinge cerca de 3% da população mundial. Porém, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, no Brasil esta taxa é de quase 5%.

Outros transtornos têm sido observados nos consultórios, porém, ainda não classificados oficialmente. É o caso da ortorexia nervosa, uma desordem alimentar, não classificada como um Transtorno Alimentar oficial, que é a obsessão por comer saudável. E ainda o Transtorno Alimentar Restritivo Evitativo (TARE), um distúrbio caracterizado por persistentes perturbações alimentares que levam a um aporte nutricional e energético insuficientes.

E quando se fala em tratamento de transtornos alimentares, os objetivos incluem restaurar a nutrição adequada, trazendo o peso para um nível saudável, reduzindo o exercício excessivo e interrompendo a compulsão. Além disso, é necessário acompanhamento com psicoterapia e, muitas vezes, uso de medicamentos antidepressivos.

Nutrição Comportamental

A Nutrição Comportamental é uma linha de tratamento que prega o prazer de comer e o respeito às emoções, focada na mudança da relação com os alimentos, que exclui a visão restrita do “saudável e não saudável”, dos alimentos “bons e ruins”. Um artigo científico, publicado no ano passado no periódico americano Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, revelou o alto grau de sucesso de 20 programas nutricionais baseados não na perda de peso, e sim na capacidade de identificar os sinais internos de fome e saciedade, lidando equilibradamente com eles. De maneira geral, constata o estudo, houve melhora nos hábitos alimentares e na autoestima, e a perda de peso veio como consequência.

Para entender um pouco mais sobre essa linha de abordagem e tratamento, o Blog Prodiet conversou com a nutricionista Camila Mercali:

O que é Nutrição Comportamental?

É uma linha de abordagem para o atendimento nutricional na qual buscamos uma mudança de comportamentos e hábitos de forma permanente, por meio do autoconhecimento e autovalorização.

Como é o tratamento? Você identifica possíveis comprometimentos nutricionais para o paciente quando o atendimento nutricional não considera os aspectos comportamentais da alimentação?

Na nutrição comportamental, trabalhamos para desmistificar o conceito de dietas e construir hábitos duradouros. Quando isso não acontece, muitas vezes há prejuízos nutricionais e emocionais, pois o paciente já tentou de tudo e não consegue seguir uma dieta pré-estabelecida.

Atualmente, há uma divulgação muito ampla nos meios de comunicação sobre alimentação, classificando alimentos saudáveis e não saudáveis, bons ou ruins. Esse tipo de classificação pode implicar em efeitos negativos para a alimentação das pessoas?

Com certeza. Pode trazer transtornos alimentares e às vezes até prejuízos nutricionais se não for feito um acompanhamento. Por exemplo, se a pessoa decide retirar o glúten, e no lugar acaba colocando apenas farinha de arroz, pode ter até uma intoxicação por arsênico, que é extremamente tóxico para nosso organismo. É preciso saber se alimentar com equilíbrio. Entender que a alimentação faz parte da vida e que um alimento ou outro que não seja considerado saudável não vai acabar com um estilo de vida.

Em sua carreira ou estudos, você tem observado a relação entre fazer dietas e desenvolvimento de transtornos alimentares? Quais?

Não acontece em todos os casos, mas já acompanhei casos de obesidade, na qual a pessoa engorda e emagrece, acabando por desenvolver compulsão alimentar, bulimia, entre outros. Houve um caso que observei em que a busca pela alimentação perfeita levou ao desenvolvimento de um transtorno conhecido como ortorexia, a obsessão por comer de forma saudável.

Quais são as técnicas de atendimento mais indicadas para a abordagem da nutrição comportamental?

Sempre uma boa conversa, o desenvolvimento de autonomia, de uma forma que o paciente participe da construção da mudança de hábitos. Fazemos uma analise do que leva a pessoa a ter os tipos de comportamentos alimentares que não desejaria ter. Avaliamos pensamentos, crenças e emoções. É um autoconhecimento, mesmo. Para que a mudança seja de dentro para fora, a pessoa decide o que é melhor para ela e o que ela consegue mudar.

As técnicas incluem o “Comer Intuitivo” e o “Comer com Atenção Plena”?

Trabalhamos, sim, as técnicas de se alimentar com atenção plena, para o desenvolvimento e reconhecimento da fome e saciedade, para a identificação do tipo de fome: será que é fome emocional, mental, ou é real mesmo? A parte do comer intuitivo é um momento mais para frente quando já conseguimos a mudança de alguns hábitos e a pessoa já tem consciência dos tipos de fome que tem. O comer intuitivo é respeitar o organismo, comer quando tem fome. Por isso, é um trabalho que acontece mais para frente.

Camila Mercali é nutricionista formada pela UFPR, mestre em Fitoquímica pela UFPR, pós-graduada em Nutrição Clínica Funcional e Fitoterapia Funcional pela UNICSUL-VP, coach de vida pela World Coaching School, diretora da  Academia de Coaching e Nutrição. Atua como nutricionista clínica e com consultoria para nutricionistas. Contato: [email protected] e @camilamercali.

 

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